(Des)Informação
- Búzio o Bardo
- 11 de out. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 2 de ago. de 2022

Gustavo já não via o jovem Nuno há muito. A mãe continuava a frequentar a sua loja mas, o rapaz, desde que tinha ido para a universidade, pouco se fazia ver. Tinha crescido no bairro, como tantos outros ali, entre corridas e jogos de futebol, em frente da vitrine da sua mercearia. De certa forma, Gustavo via-os a todos como parentes seus, tantas haviam sido as vezes em que ali paravam, especialmente o rapaz, para comprar bolicaos e cromos, para as suas cadernetas. Tinha assistido à criança ganhar a disposição e confiança do jovem homem que entrava agora, uma vez mais, pelas portas da sua mercearia, vestindo uma t-shirt de manga cava bem larga e uns calções de tecido aos quadrados, verde e branco.
"Bom dia! Seja bem aparecido!" cumprimenta-o Gustavo, amistoso, apesar da sua voz lhe sair abafada por entre a máscara cirúrgica.
"Alô senhor Gustavo!" devolve-lhe o rapaz já bem dentro da sua loja. Gustavo estranha, no entanto, o rapaz não fazer qualquer tentativa de puxar da já habitual máscara, obrigatória em tantos espaços como este.
"Esqueceu-se, menino Nuno?" pergunta-lhe Gustavo, apontando para a sua máscara, esforçando-se por soar amistoso, certo do lapso do rapaz. O esforço subentende-se, uma vez cobertas as feições, há que fazer uso da voz e do olhar para transmitir o que, antes, o rosto dizia sem dizer.
"Sabia que as máscaras concentram a sucção do ar, servindo mais como um funil para os vírus?" responde Nuno, visivelmente perturbado, parando entre duas prateleiras e agitando o seu saco de ráfia.
"Bem… o que dizem na televisão é que ajuda a prevenir a doença…" deixa Gustavo no ar, apanhado de surpresa.
"Haha e quem pensa que são os donos dos canais? São esses consórcios congelemerados, que começaram isto tudo!"
" O quê? O que é que os congelados têm a ver com isto?"
"Con-ge-le-merados! Não é congelados!" soletra, o rapaz, em tom paternalista, deixando Gustavo cada vez mais insatisfeito, com a conversa do mesmo, e bastante desconfiado da existência daquela palavra.
"Olhe, menino, eu costumo ver as notícias e sigo as indicações das autoridades de saúde pública e, francamente, é o que todos temos o dever de fazer!" reitera Gustavo, deixando bem clara a sua intenção.
"Isso é o que eles querem! Sabia que..."
"Eles? Eles quem?" interrompe o merceeiro já sem paciência.
"Eles! Se vocês, dessa idade, vissem mais YouTube e menos televisão, eram menos programados por quem manda nisto!"
"Olhe, desculpe, menino Nuno, aqui só há mesmo iogurtes e, para os comprar, tem de usar máscara, de modos que senão a quiser usar,... vá ver YouTubes!"
Fotografia retirada do unsplash de:
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